sábado, 24 de dezembro de 2011

dos espólios...

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‎"os poetas fuzilam pétalas,
metem balas, riscam solidão.
os poetas atacados
de revolução."

Romério Rômulo
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blood_falls
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relicário

você prefere viver
como poeira
ou como vento?
quero selecionar
as mentiras inventadas
que eu sei
que aqui
a todos interessa
uma segunda vida
necessária
mas que infelizmente
não existe
santificado
seja o meu
seu nosso
outro modo
de viver
aqui onde
não se encontram
vestígios
de todos os outros
meus seus nossos dias
perdidos
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

dos mergulhos...

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"se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro
volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
eu morro de desdém em frente dum tesoiro
morro à mingua, de excesso."

a queda - Mário de Sá Carneiro.
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falling_sunset_double
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poetography

escrevia pra abafar a angústia de ser humano pela metade. o poeta antes de tudo ecoa.acordava com pouca alma e dormia com o coração apagado. jogava dardos pro alto, sem alvo. nutria-se do os que desertos ainda retinham de água. procurava oásis pra vencer tudo aquilo.arquitetou alguém, ainda que seja chuva provisória onde brincava de não se molhar.notava nada de novo no silêncio líquido do barco, mas era melhor passar ali que boiar em um campo distraído qualquer. passou um tempo só pensando nisso. desistiu. tinha mais água nos olhos que no mar além. preferiu as águas. mergulhou.
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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

das espadas...

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"Et tuam ipsius animam pertransit gladius..."
São Lucas, II, 35
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parede dói
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desvios
para Natália

esperança e fé
são palavras rarefeitas pra mim
são como nuvem, vapor, poeira e pó
quase irrespiráveis
como a poluição dessa cidade grande
como a imposição dessa cidade grande
e das gentes que desanimam
mas tem um outro lado
que dizem esperança
bem no fundo esperança
se ajuda eu não sei
mas é necessária
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poemágua
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

dos manuais...

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"A palavra amor anda vazia.
Não tem gente dentro dela."

Manoel de Barros
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desasas
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manuais de barros

quero a poesia cuidada em dom de árvore

(faz toda diferença entre permitido e permissível)

tenho dores em pontas de faca e agudezas no peito em flores

daqui minha janela me permite nuvens

entendo o sol como alimento e as pessoas como coisas apaixonadas

(sentia um medo inteiro das correntezas dos rios

mesmo assim pulava entre as pedras

o sorriso era o outro lado)


entendo a melancolia como um passeio por dentro

ainda conto as árvores como pássaros e raízes como asas

tive três escolhas na vida: viver, viver e viver... optei por todas...

(quando mais novo, vivia fugindo e dormindo em pastos

era meu jeito de dizer bom dia às estrelas)


poesia é voar fora de casa. sair pra rua sem rumo

(tive pouco mas tive tudo

o mais de fora era o que contava)

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

dos modelos...

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"...parar de pensar nos erros e começar com acertos..."
Julio Carvalho
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vitruvian originalvitruvian modern
vitruvian modernvitruvian original
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o homem moderno
fez a cópia errada
do homem modelo
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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

das criaturas...

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"Quero lhe implorar
Para que seja paciente
Com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar.
As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira.
Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las.
E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.
Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia distante."

Rainer Maria Rilke
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O cheiro de todas as criaturas

Eu nunca sei quando as histórias acabam. Por isso sempre fico preso entre uma e outra, ou entre nenhuma e nenhuma outra; entre um recomeço sem fim e um fim sem término.
Por isso prefiro nem acabar os anos. No ano passado esperei muito. Obtive um nada e um outro modo de viver que não era nem de perto o eu esperava. Esperava dias melhores e só tive desvios. Agora espero portas e almas entreabertas. Olho pelo buraco da fechadura com medo. E vivo a vida com algemas leves. Muitas vezes tenho vontade de me livrar delas.
Talvez tudo aconteça assim por eu ser mais espectador ou coadjuvante, do que protagonista da minha vida. Tenho essa enfermidade de não dar conta de quando alguma coisa acaba.
A noite chega, as pessoas se aproximam, tomam seus banhos e eu continuo lá: com a vida na cabeça. Tudo muito pensando aguardando alguma deixa. A deixa que nunca vem.
Sempre tive medo das coisas e das pessoas. Um pavor e uma falta de fé muito grande. Talvez por isso eu tenha criado minha própria companhia, onde anoto, escrevo; edito; e finalizo meus textos solitariamente. Escrevo só para mim uma tragicomédia poética.
A realidade me faz tão mal e me deixa tão fraco que fico, no fundo da vida, muitas vezes, a sussurrar poesia a mim mesmo. Às vezes não ouço. Quase sempre não ouço, porque sussurro baixo e minha voz é trêmula… Quem lê não entende, e logo, não responde.
Eu, furioso, me escondo de todos: do leitor; dos conhecidos; dos estranhos… Expulso todo mundo e ateio fogo a tudo. Eu sempre adorei o fogo como resposta. E ali dentro fico eu, junto aos pensamentos, remoendo tudo incendiado. Incandescente por dentro: queimando, queimando, queimando…

Livre adaptação de “O fim da estória” de Alejandro da Costa Carriles
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dos fluxos...

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"quero uma porta entreaberta, mas só o necessário.
quero ver sem ser visto, entrever as coisas, saber cada vez menos.
quero cada vez mais portas entreabertas.
não por proteção, mas por delicadeza."

Julio Carvalho
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poema com todos os vícios

viciado em muito
viciado em sorte
viciado em jogo
viciado em corpo
viciado em homem
viciado em mulher
viciado em esporte
viciado em telefone
viciado em internet
viciado em chiclete
viciado em cocaína
viciado em esquina
viciado em heroína
viciado em codeína
viciado em morfina
viciado em tráfico
viciado em droga
viciado em estricnina
viciado em carne
viciado em arte
viciado em livro
viciado em capítulo
viciado em papiro
viciado em tiro
viciado em arma
viciado em moda
viciado em foda
viciado em música
viciado em vídeo
viciado em virgem
viciado em peixes
viciado em aquário
viciado em tempo
viciado em horário
viciado em viagem
viciado em coragem
viciado em corte
viciado em morte
viciado em pó
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viciado é pouco
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

dos passos...

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"às vezes o corpo dói
e é por dentro"

ondjaki
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mirror
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passo dado é passo

o homem caminhava
entre a crença e o espanto
pela beira do indizível
a verdade vivia acesa
apenas entre seus ossos

o homem caminhava
à margem dos outros homens
entre sonho e solidão
entre o único resto de mar que tinha
para se transbordar

o homem caminhava
em azul na maresia
em busca do encantamento
da palavra salgada
entre a mão inquieta e o corpo em cio
na madrugada

o homem caminhava
antes que chegasse a noite
mas o peso do seu castigo se arrastava
sob o sal dos seus olhos
não descansava

o homem caminhava
sem saber nada
não desabava
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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

das reedições...

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"O fim está no próximo."
Julio Carvalho
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no way
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por um fim
reedit

o fim está próspero com o esquecimento global
por isso eu prefiro um virus de grife
que mata todo mundo bem vestido
e coloca num caixão chanel
com botão de cinema bunuel
e caixa de presente em tom pastel
a torre de babel fica no seu pé
e qualquer língua já vale o que é
algum problema aqui na renderização
e não tem quem aguente mais poluição
cd dvd pirata em promoção
mais um problema de comunicação
não transparelho o que pareço
e não tenho preço no varejo
eu vejo um outro dia assim atrás de mim
não tem mais jeito não
o mundo vai acabar
e eu pagando o mesmo preço
feito um cão

Julio Carvalho (1 de junho de 2010)
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dos distanciamentos...

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“Ninguém pode pois escrever sem tomar apaixonadamente partido
(qualquer que seja o distanciamento aparente de sua mensagem)
sobre tudo o que vai bem ou vai mal no mundo.”

Roland Barthes
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videovisãoavisoávido

estranhamentos no que se vê
estranhamentos no que se ouve
estranhamentos no que se sente
estranhamentos na ansiedade
estranhamentos da sociedade
estranhamentos na saciedade
estranhamentos tais que causam
estrangulamentos
em pescoços remotos
e os terremotos internos
encontram-se em
cada vez mais infernos
a mais
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dos arrastes...

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"Cada qual tem um gosto que o arrasta."
Virgílio
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populi diversity
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o gosto
o gosto do outro
o gosto do outro que se discute
que se anima quando se gosta
que se precisa quando se falta
do cheiro do outro
que resiste
na boca
na língua
na hora
deixa o gosto da coisa toda

mas o mal é
o líquido e certo
pouco
que todo mundo
toca e
nunca
tem
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domingo, 4 de dezembro de 2011

dos desconhecidos...

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"Existem barreiras tanto fisicamente quando afetivamente entre nós
e as pessoas que nos cercam e me fez pensar em como construímos mundos particulares,
inacessíveis muitas vezes, cujo acesso só pode ser descoberto por um momento de decisão...
Por um salto no desconhecido."

in Amor Wabi Sabi
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as coincidências precisam ter um fim*


Falo como qualquer um...
A coisa precisa ficar séria.
Estive muito sozinho, mas nunca vivi sozinho.
Teóricamente.
Quando eu estava com alguém, me sentia feliz...
Mas, ao mesmo tempo, tudo parecia coincidência.
Aquelas pessoas eram meus pais, mas poderiam ter sido outras.
Por que esse rapaz de olhos castanhos é meu irmão
E não aquele de olhos verdes, do outro lado da rua?
O filho do balconista era meu amigo
Mas eu poderia igualmente ter colocado o braço
Em torno do pescoço de um cavalo.
Estive apaixonado por várias vezes.
Eu poderia igualmente ter abandonado qualquer paixão
E partido com qualquer pessoa que passou por mim na rua.

Olhe para mim ou não.
Me dê a sua mão ou não.
Não, não me dê sua mão, desvie o olhar.
Hoje é noite de lua nova
Noite muito tranquila
Sem derramamento de sangue pela cidade.
Raridade
Nunca brinquei com ninguém
Apesar disso, nunca abri os olhos e disse: “Agora é sério”.
“Finalmente é sério”
Assim, fiquei mais velho.
Era eu o único que não era sério?
O tempo não tem nada de sério?
Nunca fui solitário, nem quando estive sozinho nem acompanhado.
Mas eu teria gostado de ser solitário.
Solidão significa o seguinte: finalmente estou inteiro.
Agora posso afirmar isso, pois hoje me sinto solitário.
As coincidências precisam ter um fim.
Lua nova das decisões.
Não sei se existe destino, mas existe decisão!
Decida!
Nós agora somos o tempo.
Não apenas a cidade, mas o mundo todo
Tem parte na nossa decisão.
Agora nós dois somos mais do que dois.
Encarnamos algo.
Encamamos algo.
Eu estava no meio da praça
E a praça esta cheia de gente que deseja o mesmo que eu.
Estamos decidindo o jogo de todos.
Estou pronto.
Agora é a sua vez.
O jogo esta em suas mãos.
Agora ou nunca.
Você precisa de mim.
Você vai precisar de mim.
Não existe história maior que a nossa
A história de duas pessoas juntas.
Será uma historia de gigantes.
Invisível, contagiosa
Uma historia de novos ancestrais
Veja os meus olhos
Eles são o retrato da necessidade
Do futuro de todos que estão na praça.

Ontem a noite, sonhei com alguém
Com alguém que eu amaria
Apenas com esse alguém eu poderia ser solitário
Me abrir totalmente.
Receberia esse alguém como como um ser inteiro.
Envolveria num labirinto de felicidade partilhada.
Eu só não sei quem é.

Esse alguém diria que
Algo aconteceu.
Ainda está acontecendo.
Me prende.
Foi verdade à noite e é verdade agora, neste momento.
Quem foi quem?
Estive dentro de algo em volta de mim.
Quem nesse mundo pode dizer que já esteve unido a outro ser?
Eu estou unido.
Nenhuma criança mortal foi concebida
Mas sim um quadro imortal compartilhado.
Aprendi sobre estupefação esta noite.
Alguém que me levou para casa, e encontrei o meu lar.
Aconteceu uma vez.
Aconteceu uma vez, portanto vai acontecer.
A imagem que criamos me acompanhará quando eu morrer.
Terei vivido em seu interior.
Existe somente a estupefação entre nós dois.
A estupefação entre duas pessoas me tornou humano.
Eu agora sei
O que nenhum anjo sabe.

*Adaptado de "Asas do Desejo" de Win Wenders
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